O
Matemático
Ele sempre foi um lógico inveterado; daqueles
chatos, capazes de interpretar o mundo através dos números.
Não saída de casa senão após prognosticar
a sorte do dia, a partir dos números.
Afirmava ser capaz de conhecer a
personalidade do outro, mediante cálculos matemáticos que computavam: a data e
hora do nascimento, o número da identidade e do CPF, além dos números
correspondentes às letras do nome completo do analisado.
Fazia todos os cálculos usando apenas
papel e lápis, às vezes nem isso. De cabeça.
Trigonometria, integral, diferencial,
álgebra e derivadas compunham seu prato predileto. Passava horas, entretido,
fazendo cálculos e tirando provas.
Nem precisa dizer que era considerado um
professor competente, no entanto muito rigoroso e com pouco jogo de cintura.
Isso o transformava no terror do
terceiro ano do segundo grau. Muitos
eram reprovados. Alguns haviam até passado no vestibular. Não abria mão!
Aos quarenta e dois anos continuava
solteiro. Namoradas, nem pensar! Havia se casado com a matemática.
Não dava espaço para o sexo oposto, pois
não se sentia confortável nem seguro nesta área.
Sua aparência nerd lhe proporcionava um escudo protetor, mantendo afastadas
aquelas alunas, e outras mulheres, que poderiam lhe provocar alguma fraqueza.
Uma experiência no passado o havia
deixado fragilizado demais. Resolvera nunca mais passar por isso!
Suspeitaram de algum desvio moral, mas
pedófilo ou homossexual não era.
Toda a energia, todo o tempo, todo
prazer, todo desejo estavam canalizados a um único e formidável interesse: a
matemática!
Uma vida metódica e cheia de regras
balizava a sua conduta e o blindavam contra possibilidades de desvios éticos e morais.
Numa manhã qualquer, de um dia qualquer,
ele reencontrou aquela com quem convivera a infância, mas que o destino cuidara
de separá-los.
Almoçaram juntos; passaram aquela tarde
relembrando: as brincadeiras, as experiências, as descobertas infantis que
compartilharam, de forma inocente e pura.
Ficou sabendo os motivos que haviam
provocado aquela mudança repentina, que ele nunca entendera e jamais perdoara:
década de setenta, ditadura, repressão! Pais e filha haviam fugido daquele Brasil
militarizado.
Ela vivera e se casara com um chileno,
que havia falecido há pouco mais de um ano. Haviam retornado no final do
século, para que as duas filhas pudessem completar os estudos aqui no Brasil. Eram
universitárias.
Ótima oportunidade para iniciarem,
juntos, uma nova vida.
Ele divorciou-se, com algumas dificuldades,
da matemática (mais pela disciplina, que pela matéria).
Casaram-se alguns meses depois.
A fama de professor ranzinza mudou com
ele.