quarta-feira, 31 de julho de 2013

Vendedor de enciclopédias


Vendedor de enciclopédias


Era vendedor de enciclopédias.
Um dos melhores. Ganhara vários prêmios entre viagens, carros, jantares e medalhas.
Um vitorioso!
Há cinco anos não vende mais nenhuma coleção.
Queimou toda a reserva que havia acumulado...
Abandonou a família. Vive num cortiço.
Continua tentando, sem entender por que suas táticas, tão convincentes outrora, não funcionavam mais.
Nunca usou um computador.
Não conhece a internet.
“- Esses modismos passam.”
“- Amanhã vou vender uma Britânica inteirinha!”
Dorme sonhando...

quarta-feira, 24 de julho de 2013

O matemático


O Matemático


Ele sempre foi um lógico inveterado; daqueles chatos, capazes de interpretar o mundo através dos números.
Não saída de casa senão após prognosticar a sorte do dia, a partir dos números.
Afirmava ser capaz de conhecer a personalidade do outro, mediante cálculos matemáticos que computavam: a data e hora do nascimento, o número da identidade e do CPF, além dos números correspondentes às letras do nome completo do analisado.
Fazia todos os cálculos usando apenas papel e lápis, às vezes nem isso. De cabeça.
Trigonometria, integral, diferencial, álgebra e derivadas compunham seu prato predileto. Passava horas, entretido, fazendo cálculos e tirando provas.  
Nem precisa dizer que era considerado um professor competente, no entanto muito rigoroso e com pouco jogo de cintura.
Isso o transformava no terror do terceiro ano do segundo grau.  Muitos eram reprovados. Alguns haviam até passado no vestibular. Não abria mão!
Aos quarenta e dois anos continuava solteiro. Namoradas, nem pensar! Havia se casado com a matemática.
Não dava espaço para o sexo oposto, pois não se sentia confortável nem seguro nesta área.
Sua aparência nerd lhe proporcionava um escudo protetor, mantendo afastadas aquelas alunas, e outras mulheres, que poderiam lhe provocar alguma fraqueza.
Uma experiência no passado o havia deixado fragilizado demais. Resolvera nunca mais passar por isso!     
Suspeitaram de algum desvio moral, mas pedófilo ou homossexual não era.
Toda a energia, todo o tempo, todo prazer, todo desejo estavam canalizados a um único e formidável interesse: a matemática!
Uma vida metódica e cheia de regras balizava a sua conduta e o blindavam contra possibilidades de desvios éticos e morais.
Numa manhã qualquer, de um dia qualquer, ele reencontrou aquela com quem convivera a infância, mas que o destino cuidara de separá-los.
Almoçaram juntos; passaram aquela tarde relembrando: as brincadeiras, as experiências, as descobertas infantis que compartilharam, de forma inocente e pura.
Ficou sabendo os motivos que haviam provocado aquela mudança repentina, que ele nunca entendera e jamais perdoara: década de setenta, ditadura, repressão!  Pais e filha haviam fugido daquele Brasil militarizado.
Ela vivera e se casara com um chileno, que havia falecido há pouco mais de um ano. Haviam retornado no final do século, para que as duas filhas pudessem completar os estudos aqui no Brasil. Eram universitárias.    
Ótima oportunidade para iniciarem, juntos, uma nova vida.
Ele divorciou-se, com algumas dificuldades, da matemática (mais pela disciplina, que pela matéria). 
Casaram-se alguns meses depois.
A fama de professor ranzinza mudou com ele.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

O sacerdote


O Sacerdote


Estudou no seminário de Mariana, desde os dez anos, quando ficou órfão.
Sempre foi um aluno exemplar, pela memória privilegiada e pelo raciocínio lógico, irrepreensível.
Nos esportes, se destacava no futebol e era promessa na natação.
Durante o período de estudos, trabalhou em diversos setores administrativos.
Como funcionário, era às vezes displicente.
Nas férias, como não tinha para onde ir, o Reitor o encaminhava para alguma paróquia da Arquidiocese.
Sempre bem recebido e muito elogiado no retorno.
Destacava-se mais nos trabalhos pastorais que nos administrativos.
Sabia de tudo que se podia aprender com os estudos dirigidos e nos que empenhava individualmente.
Absorvera, ao máximo, os ensinamentos teóricos passados pelos professores.
Desenvolveu sua capacidade crítica, nos debates e discussões entre colegas e pessoas com quem conviveu no seu mundinho restrito.
Ordenou-se sem nunca ter transposto, muito além, os muros do seminário e das paróquias que visitou.
Aos vinte e quatro anos foi nomeado Pároco de uma pequena cidade na Zona da Mata, em substituição a um Cônego idoso e tradicional, falecido.
Após a primeira missa concelebrada com o Arcebispo, convidados, seguiram para o almoço na Prefeitura.
Não pode disfarçar o impacto causado pela beleza da filha do Prefeito.
Foi constrangedor!
Na Segunda feira, após a missa das seis, recebeu a visita da moça, que não fazia o menor esforço para disfarçar sua curiosidade e encantamento.
Contra todas as recomendações da mãe e descomposturas do pai, passou a ser a maior frequentadora daquela Igreja Matriz.
A fofoca se espalhou entre os fieis. As missas foram ficando, a cada dia, mais vazias.
Não demorou muito para que aquele Sacerdote renunciasse a função de Pároco e pedisse licença dos votos ao Arcebispo.
O Arcebispo não pode recusar ao saber da gravidez da menina.
Esta matéria ele teve que aprender na prática.
Só o sexo teórico é sublimável!
  


sexta-feira, 12 de julho de 2013

Sertão nordestino

SERTÃO NORDESTINO

Severino não foi feito de barro,
Foi feito só da terra dura do chão.
Na terra dele não tem água,
Pois num chove faz um tempão.

Houve tempo que campeava,
Numa jumenta, um gado são.
Mas hoje tá tudo acabado, o gado
Morreu: de fome, sede e inanição.

Viveu sua vida inteirinha,
Só na seca desde então.
Usa um chapéu feito de couro,
Que é pra evitar isolação.

Prá chuvê mesmo que bão,
Não adianta rezadeira e benzeção.
São Pedro esqueceu de vez,
Desta pobre gente, lá do sertão!
  
...

Sonha um dia, esta terra rachada,
Ficar toda encharcada:
Das doces águas do São Francisco,
Que santas, hão de abençoar.

E por encantado roteiro,
Unidos, cantando seguirão,
Tal e qual o Severino romeiro.
E o povo sofrido daquela nação.

Buscando cumprir seu destino,
De transformar o sertão nordestino
Num vasto, lindo e fértil mar
Ladeado de pasto, gado e plantação!

...

Faz tempo que o Severino
Sua esperança viu afogar
Num vasto, lindo e fértil mar:
De lama, barro e podridão.

Dizem que é mais de bilhão
Que corre no rio da safadeza.
O Severino já tem uma só certeza:
Não há Santo que resolve não!  

quinta-feira, 11 de julho de 2013

O estafeta


O Estafeta


Chegou cedo a Brasília.
Alugou um carro e seguiu para a Esplanada dos Ministérios. A reunião seria às dez horas.
Estacionou num pátio vazio. Seguiu firme para o gabinete do Ministro.
Identificou-se na portaria sem dificuldades. Era frequentador assíduo.
Subiu de elevador, se identificou novamente com a atendente e sentou-se numa poltrona, confortavelmente.
 Aguardou sem ansiedade a chegada do Chefe de Gabinete.
- O senhor será atendido agora - anunciou a bela atendente - pode entrar.
Seguiram-se os cumprimentos formais de praxe.
- Trouxe o material? Perguntou secamente o Chefe de Gabinete.
- Claro, está tudo aqui, completinho!
- Deixe-me ver.
Alguns minutos depois de foliar toda a papelada, decretou.
- É... Parece que está tudo em ordem. Obrigado!
Seguiram-se as despedidas formais de praxe.
Às dez horas já estava de volta ao aeroporto e fazia o check-in.
A reunião das dez, no Ministério, já havia sido suspensa.
A concorrência anulada!

quarta-feira, 3 de julho de 2013

BH junho de 2013

Belo Horizonte, 30 de junho de 2013.


Ontem, o que vimos em Belo Horizonte, foi o absurdo dos absurdos.
A polícia entrincheirada, protegendo o Mineirão, por ordens da FIFA.
Vândalos e baderneiros, em confronto com a polícia, que haviam sido rechaçados com bombas de efeito moral e balas de borracha, partiram para um quebra-quebra histérico e histórico.
Concessionárias e lojas de veículos, lojas de material de construção e outras, foram invadidas, quebradas, incendiadas e destruídas.
A área adjacente, àquela protegida pela polícia, virou um campo de batalha, na qual os vândalos e baderneiros lutavam contra o patrimônio particular e destruíram tudo o que viam pela frente.
A polícia se manteve entrincheirada, protegendo o Mineirão, por ordens da FIFA.
E eu que pensava que a polícia deveria proteger, também, o cidadão, o patrimônio público e o particular.
Aliás, os estádios, pela lei geral da copa, não passou a ser particular durante o evento da copa? Pois pertencem a FIFA. Entidade privada!
Se assim é, alguns são mais privados que outros?
Há direitos distintos entre entes iguais?
Mais do que um espanto, uma constatação tem me chamado muita atenção nestes distúrbios. Por que a polícia não tem cumprido o seu papel, verdadeiramente: Medo? Omissão? Decisão? 
A informação que tenho é que os funcionários das empresas destruídas ligavam desesperados, pedindo socorro, para a polícia e para o corpo de bombeiros e não obtinham respostas.
Levaram-se horas para que aparecessem, discretamente, os primeiros, assim como esperando para que os vândalos e baderneiros de carteirinha se afastassem.
Aparentava certo grau de respeito entre a polícia e aqueles vândalos e baderneiros.
Mais do que armas, a polícia deveria estar equipada com filmadoras instaladas nos capacetes, filmando todo desenrolar da ação e os personagens, estes sim, protagonistas da bagunça e da desordem.
Que bela fonte de informação para, agora, empreender uma busca de cada artista, e conduzi-los ao palco onde deveriam estar atuando: a cadeia!
Foram muitos os prejuízos dos empresários que tiveram seus bens destruídos.
Serão muitos os prejuízos dos funcionários que ficarão sem receber seus salários, principalmente os comissionados.
Quem irá se responsabilizar por tamanhas perdas?
Com certeza não será a FIFA!