Hoje subimos as
montanhas nos arredores de Tiradentes.
Fomos caminhar por
uma trilha construída por mãos escravas, no final do século passado.
Pedras de todos os
tamanhos forram o chão. Imagino a dureza da lida, mas admiro a beleza que resultou.
Naquele tempo, uma
facilidade de acesso. Hoje, a aspereza de um caminho.
Mudam as épocas,
mudam as pessoas, mudam a visão e o valor das coisas: hoje, aqui, vale o belo,
o rústico, não o acesso.
Alguns trechos,
destruídos pelos mototrilheros, hoje proibidos de passar por aqui, e agravados
pela erosão provocada pelas águas das chuvas, tornam nossos passos inseguros e
lentos.
Os trechos se
alternam entre um sol castigante e a umidade lodosa das lages ocultas do sol,
que nos obriga a redobrar atenção, para evitar uma queda, com certeza,
dolorosa.
Assim na trilha como
na vida, sem a luz e o calor do sol, sem a clareza e o amor, a umidade da
solidão prolifera o lodo da incompreensão e da inveja, que nos provocam tantas
quedas, não menos doloridas.
Subo mais lentamente,
e somente graças a um cajado de bambu, improvisado, que descobri na entrada da
trilha: meu companheiro nesta jornada. Tal qual os verdadeiros amigos que
encontrei ao longo da minha vida: apareceram do nada, quando mais precisava do
apoio deles.
Fico para traz e
aproveito para perceber o meu em torno: o ar - puro e frio-; silencio - feito
de zumbidos dos insetos, o farfalhar das folhas, o canto de pássaros e o ruído
de uma queda-d'agua do riacho, vindo da nascente da montanha; o calor - provocado
pelo sol forte -; o frio úmido - nas sombras das arvores. Ambiente rico de vida
brotada em profusão.
Como que para
justificar minha lentidão, busco apoio na frase: da caminhada o que vale a pena
é a beleza, não o caminho. Caminhos são tantos, mas a beleza de cada um é
única!
Passo a perceber as
flores, pequeninas, nascidas de arbustos retorcidos, de pequenas gramíneas,
brotadas por entre as pedras, que adornam o caminho coloridas de vermelho,
rosa, azul, amarelo, etc, etc. Uma festa colorida como o carnaval.
Vejo uma pequenina
formiga carregando uma folha seca enorme, quanta perseverança. Quase me
envergonho. Entendo a lição e vou em frente...
Os meus passos são
mais lentos, pois convalesço de um ano de clinicas e hospitais. Gozo, agora, do
privilegio, deste trajeto único e especial.
A cada passo em
direção ao alto da montanha, um agradecimento profundo por estar ali, naquele
momento, como que reiniciando minha caminhada de volta a vida.
Cada passo um
esforço, cada esforço um desanimo. Mas de desanimo em desanimo vou em frente.
Faço força para
continuar. Eta formiguinha danada!
Não olho muito para o
alto da montanha, com medo de desistir. É muito íngreme. É muito chão...
Olho para cada
pequeno trecho e defino um ponto de desafio, até onde vou chegar. Quando chego
lá, defino novo ponto. Falo comigo mesmo: - Lá dá pra chegar.
Mas não posso me
esquecer da meta. E lá vou eu rumo ao topo da montanha...
Derrepente, no meio
do caminho, tem uma pedra. E que tamanho de pedra. Deixaram-na lá pelo tamanho
da peça. Lembrei-me de Drummond. Só não imaginava que ela era tão grande.
Sem muitas reflexões,
deixo para traz a pedra, mas ela continua lá no meio do caminho, mais marco que
empecilho, pois muito difícil de tropeçar.
Quando chego ao alto
da montanha, encontro com as minhas companheiras já voltando. Peço-lhes que me
deixem chegar até lá. Solidárias, não querem me frustrar, retornam
comigo.
Vejo o vale. Que
lindo! Entre as montanhas, como um leito de rio, serpenteando entre as
montanhas. Só que tudo é verde, verde de muitos tons. Graça às chuvas. Olho
para este cerrado rupestre mineiro. Arbustos esparsos, muitas gramíneas, flora
e fauna, preservados. Preservados? Até quando?
No meu intimo estou
feliz, gratificado, atingi a meta. Para mim uma vitória. Gozo o merecido
descanso dos vitoriosos. Quero e devo festejar. E o faço internamente. Beijado
pelo sol!
Vejo ao longe um
grupo de pessoas, numa pequena clareira, como que em adoração à sagrada
natureza.
Ouço vozes
estridentes de turistas que tomam banho gelado numa cachoeira, que não vejo.
Derrepente ouvimos o
som de um aeroplano, que num rasante, passa abaixo do nível que estávamos.
Será a prenúncia da
chegada de outros motores: os dos tratores. Que pena!
A trilha continua.
Ela tem como destino: Tiradentes. Vamos lá mais tarde, mas de carro.
Retornamos pelo mesmo
caminho. Tão lentamente quanto a ida.
No final, ou no
início da trilha, como em todas as trilhas, tem uma bica d'água.
Nela mato a sede, mas
não as imagens e experiências que vivenciei na trilha.
Estas são minhas,
para sempre.