quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Torcedor


Torcedor


Levantou cedo naquele dia e vestiu a camisa do clube do coração.
O plano era ir para o Mineirão logo após o expediente.
Trabalhou o dia inteiro ouvindo piadinhas dos torcedores do outro clube da cidade.
Era a última oportunidade do seu time se manter na disputa do título.
Aguentou firme. Escutou cada gracinha e engoliu seco. Não respondeu. Sorria amarelo...
À noite, chegou ao estádio após suportar o empurra-empurra de um ônibus lotado.
Estava tenso, mas passou por tudo aquilo calado.
Pediu um tropeiro e um refrigerante no bar.
Na primeira garfada, achou que estava meio azedo, mas a fome era tanta, que engoliu assim mesmo.
A arquibancada estava lotada.
Passou o primeiro tempo sentido enjoo. No intervalo vomitou tudo. Aliviou!
O Jogo não. Tava zero a zero!
E tome-lhe grito de guerra: "- Juiz Ladrão! - Técnico Burro! - Fora Perna de Pau! - #$@&#!"
E isso era tudo o que ele, e a torcida, podiam fazer...
Nada adiantou. O jogo acabou zero a zero. Desclassificado!
Ele estava exausto. Roxo de ódio. O mundo inteiro havia desabado, sobre ele, naquele momento.
Na saída do estádio, o pau quebrou!
Ele aproveitou para despejar toda a mágoa acumulada. Toda a tensão que acumulou o dia todo.
No dia seguinte a televisão mostrou a multidão enfurecida, lá no meio, em destaque, estava ele de pedaço de pau na mão, distribuindo porrada!
Foi identificado pela polícia e preso.
Por um bom tempo não poderá mais assistir os jogos do seu time.
Nem vale a pena mesmo!

Botequim do Totonho


Botequim do Totonho


Ele preparava um bife de fígado com jiló frito tão delicioso, que justificava a quantidade de fregueses a cada final de tarde.
Era daqueles botequins de uma porta só; o pessoal se arranjava pela calçada, improvisando mesas e acentos com caixas de cerveja e de refrigerantes; o meio fio era disputado palmo a palmo.
Anotava o consumo da moçada numa precária cadernetinha; quando devedor pagava, ele simplesmente rabiscava a anotação: tava quitado! Dizem que cano ali era raro e quando acontecia, era por um motivo muito justo e o Seu Totonho perdoava de coração.
Num carnaval de um ano passado qualquer apareceu um carioca cheio de xis, muito gingado malandro, um cara muito simpático, que acabou por ganhar a confiança da galera, que ralava os bicos com suas estórias e aventuras passadas na calçada de Copacabana.
Bebeu e comeu durante os quatro dias de folia. Seu Totonho anotou tudo na cadernetinha, como era do seu feitio.
Na quarta feira de cinzas o carioca não aparecera nem para beber, nem para comer o bife de fígado, nem para contar suas estórias, nem para pagar a conta. Sumira, escafedera.
Por uma semana foi procurado até pela polícia, na dúvida de haver acontecido algum fato desagradável. Mas nada.
Souberam que dormia na casa de uma tia. Mas ninguém sabia quem, nem onde. Chegaram a dizer que o cara era uma assombração. Coisas do interior de Minas...
De qualquer forma, era o primeiro e irremediável cano do Seu Totonho.
No ano seguinte voltou o alegre e sorridente carioca para o carnaval, para a cervejinha, para o bife de fígado com jiló.
A simpatia, o xis e o gingado malandro haviam sido multiplicado por três. Trouxera alguns amigos para provarem o mais delicioso bife de fígado com jiló frito que ele havia comido na face da terra. Adoraram!
Comeram e beberam os quatro dias de folia. Seu Totonho anotou tudo na cadernetinha, como era do seu feitio.
Na quarta feira de cinzas os cariocas chegaram cedo à rodoviária compraram as passagens para Belo Horizonte e foram surpreendidos ao se verem rodeados por um bando de caras conhecidas, com as quais haviam convivido naqueles inesquecíveis dias de carnaval.
Seu Totonho nem estava lá. Quem estava lá: a tia do malandro, dois policiais e se não me engano, todos os fregueses do botequim. Uma multidão!
Um dos fregueses tomou a palavra e explicou, mineiramente, que aquele era o comitê de despedidas aos cariocas mais simpáticos e amáveis que haviam conhecido, e os mais engraçados também. Estavam todos ali em nome do Seu Totonho, que era um comerciante muito querido da cidade, o qual, para continuar fazendo o mais delicioso bife de fígado com jiló frito da face da terra, precisava manter o seu capital de giro integral. Senão como ele iria comprar: cerveja, fígado e jiló?
Haviam trazido a cadernetinha do estabelecimento e totalizaram a conta dos malandros. Eles tinham duas opções, pagariam tudo, inclusive os juros da conta do ano passado, ou passariam uma temporada dormindo no xadrez e prestando serviços voluntários à comunidade durante o dia.
Pagaram a conta e jamais voltaram para comer o mais delicioso bife de fígado com jiló da face da terra.     

Protagonista


O Protagonista 

- Bom dia!
- Bom dia!
- Quais são os seus planos para hoje?
- Não pensei em nada ainda.
- Pense logo senão esta estória não terá sequência.
- Por que eu é que tenho que ser o protagonista?
- Alguém tem que ser.
- Por que não você?
- Sou o narrador da estória.
- Então como somos apenas nós dois no elenco, sobrou para mim?!
- Não é a primeira vez...
- Eu sei.
- Vamos lá rapaz! Anime-se.
- Está bem. Hoje vamos ao cinema.
- Boa! Qual o filme?
- Lula o filho do Brasil.
- Tinha que ser logo este?
- Vamos aprender a ser protagonistas de uma estória com final vitorioso.
- Protagonista ou político?
- Esperto!

Trote


Trote


O celular tocou.
- Alô?
- Você está sendo seguido!
Voz rouca, grave...
- Eu? Quem é que ta falando?
- Fique calmo, mantenha-se discreto, sou seu amigo, só quero ajudar.
- Como que você quer que eu fique calmo? Quem é que  me seguindo? Por quê?
- Tem um taxi aí perto?
- Tem sim.
- Pegue ele e siga para sua casa. Não desligue e aguarde outras instruções...
Passados cerca de 5 minutos.
- Você  me ouvindo?
- Tô sim!
- Peça para o motorista que siga pelo túnel da Lagoinha.
- Mas eu moro no Betânia...
- Você não é o Dr. Praxedes não?
- #$@&!
Click!

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Chaves que perdi


Chaves que perdi

Hoje eu perdi as chaves.
São chaves importantes,
Mas eu sei, eu as perdi e
Fazem uns poucos instantes.

Tenho que procura-las,
O que será de mim sem elas?
Tenho que as encontrar.
Não sei nem por onde começar.

Como serão buscadas?
Pois não sei onde as perdi.
Nem mesmo sei se as perdi,
Ou se me foram roubadas.

Sem estas chaves sumidas,
Portas estarão fechadas.
Acessos impedidos.
Até minha casa: meu abrigo!

É chave, coisa material,
E tanta falta me faz assim...
Mesmo cismando, não consigo,

Saber o que seria de mim...
Se por uma distração fatal,
Eu te perco meu amigo?

Avó


Avó

  
Cabelos finos, brancos,
Rosto vincado pelo tempo.
Olhar profundo e franco,
Vive o agora, cada momento.

A vida foi cheia de encantos,
De lutas, alegrias, sofrimentos.
A todos cobriu com o manto
Da fé, da ternura e do talento.

A sua vida corriqueira,
Tecida em pontos e a sós,
É a sua riqueza verdadeira.

Nunca deu pontos sem nó.
Pois são mãos firmes de rendeira,
São mãos santas de avó.

Quero rimas verdadeiras


Quero rimas verdadeiras


 Quero rimar rimas diferentes,
Que nem rimar, rimem realmente,
Mas que revelem a verdade inteira
Irrevelável de qualquer maneira.

Toda verdade tem dois lados inteiros,
Que são confessos como verdadeiros.
Pois se aos meus olhos são tão visíveis,
Que a qualquer outro serão só risíveis.

Não é verdade tudo que eu acredito.
Nem tudo o que creio não é tão verdadeiro.
Temos que viver dentre todo o dito,
Ritmo, rima e palavra derradeiros?

Procuro descobrir o fato revelado,
Dentre o feio, o desfeito e o errado.
Só então encontrarei a certa rima,
Tão diferente que tudo revela e fascina.

Dentro de mim


Dentro de mim


Dentro de mim, já estavam todos os poemas.
Foram, ao longo da minha vida, revelados.
Quando os escrevo é como se fossem arrancados
Palavra por palavra, sem dor, sem dilemas.

Estão, em terra fértil, a germinar o novo,
Crescendo aos poucos, como que gestados,
Íntimos, solitários, sempre resguardados,
Protegidos do bem, do mal, de todo estorvo!

Nascem ingênuos, sem pretensão revelada.
Me deixam a alma mais plena, que vazia.
Muito mais cheia de graça, que de poesia.

Que me venham forças e fé para encontrar
Os caminhos que se desvelam, por cortesia,
E escrever com fidelidade, o que se me revelar.

Entender o mistério


Entender o mistério


Como entender o mistério,
Se eu vivo dentro de um casulo.
Tudo ao derredor é estéreo,
Grave e incerto, tudo tão escuro.

Insano lutar se não me curo.
Minha face é escárnio no espelho,
Morta expressão, do que procuro,
Imagem decomposta de um mau zelo.

Quando porei um fim à ilusão?
Quando terei em fim uma visão,
Verdadeira, sem ofuscamentos?

Terão méritos meus pensamentos?
Que façam frustrar, na intenção,
Os meus sonhos e a minha solidão!

A mulher que eu escolhi


A MULHER QUE EU ESCOLHI



Há mais de três décadas; foi amor a primeira vista!
Pequenina, frágil, mas muita determinação,
Caminhava pela calçada, vestida de normalista:
Livros e cadernos nas mãos, sonhos no coração...

Ainda guardo na memória, como fotografia,
Cabelos pretos aos ombros, um sorriso distraído.
E eu ali parado, olhando e admirando o que via,
Coração em disparada. Eu me sentia atraído.

A minha vida mudou a partir daquele momento.
Mudaram meus objetivos, interesses e tantas buscas.
Eu acabara de aceitar o amor, sem constrangimento.

Já se passaram muitos anos desde o dia que eu a vi...
Vivi muitas vitórias, derrotas, alegrias e sofrimentos,
Todos eles ao lado da mulher que eu escolhi!


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Prados de Minas


Prados de Minas


Nos prados das minas gerais,
 no Grotão,
Em meio a cheiros e sabores raros,
Feitos por mãos calejadas,
À lenha, em rústico fogão,
Lá bem no meio da roça:
Arroz, costeleta, couve e feijão.

Seguimos a aventurar,
Bem no topo das montanhas,
Recomendados, 
muito bem indicados,
Vila Carassa, fomos procurar.

Com sustos recebidos,
Por um leão gigantesco,
Quase não acredito,
Na beleza, em cinco metros
De madeira, esculpido.

Arte talhada e espalhada
Por galpões, em madeira rústica,
Encantadoras, leoas,
Leões e outros tantos bichos,
Trabalhados à exaustão e brilho, 
Por mãos  inspiradas,
Cada peça como filho.

A recompensa,
Mais que o dinheiro:
O olhar admirado,
Dos turistas enebriados,
Encantados,
Com esses artistas mineiros.


Vários tons de verdes


 Vários Tons de Verdes



Olho em volta, tudo é verde.
Em matizes de todos os tons.
Nas entrelinhas de cada tom,
Cores tantas de muitas flores.

Das folhas secas, o marrom,
Enferruja a cena, como aos amores.
Os caules, ramos e troncos tantos,
Acinzentam a paleta de cores.

Como os amores de tantos tons,
De dores e prazeres sem par,
Rompe na alma: paixão!

Só a beleza brotada do chão,
Da natureza feita bem devagar,
É que nos adestra o coração.




Tiradentes


Tiradentes


Nas ruas, 
Pedregulhos,
Cobrem o chão.
Na praça,
Sombreada:
Multidão.
Grupos 
Se misturam:
Socialização?
Crianças 
Inocentes,
Brincam.
Nem tanto
se conhecem,
Mas se abraçam.
Enquanto adultos 
Embriagados,
Dançam.
Alguns,
No entusiasmo,
Trocam beijos.
Desejos...

Tá bem, 
Não nos leve a mal,
Pois hoje tudo 
É carnaval!



O golpe


O golpe

        Seu Josias tem mais de setenta anos.
        Ele trabalha nos Correios, no mínimo, há cinquenta anos, está aposentado tem uns vinte, mas não quer parar de trabalhar.
        Foi casado por cinco anos: tem uma filha.
        A família ele não vê faz muito tempo, mas paga a pensão.
        Foi abandonado.
        Da família de origem, desde jovem, não tem notícias.
        Moravam no Ceará.
        Vive uma solidão dolorida.
        Ficou cheio de manias; a pior delas desenvolveu faz tempo: coleciona dores e doenças.
        Com o plano de saúde dos Correios, faz pelo menos uma consulta por semana.
        É paciente profissional.
        Se não está sentindo nada, vai à clínica para medir a pressão.
        Há pouco mais de um ano descobriu uma doença para a qual ele diz não ter solução, pois o médico mesmo que lhe operou disse: “a medicina não tem resposta para isso”.
        Já procurou por outros dois médicos que não lhe deram nenhuma resposta plausível.
        Está apavorado.
        Entre hérnias e fístulas, médicos e enfermeiras, clínicas e hospitais, Seu Josias vai preenchendo o vazio da sua vida, monótona e rotineira:
        Almoça no refeitório dos Correios, e prepara um miojo à noite.
        Lava a própria roupa e diz que arruma a casa de vez em quando...
        Não tem empregada.
        Não tem carro, pois acha o trânsito muito louco.
        Bicicleta e moto, nem pensar, só anda a pé.
        Não assiste TV, pois os programas são inúteis ou imorais (- Já viu este tal de BBB?).
        No rádio, de vez em guando, ouve futebol: é do galo.
        Não lê porque não está mais enxergando direito (- Dá dor de cabeça!), mas não usa óculos.
        Não vai ao cinema porque é muito caro.
        Deixou de ir à igreja porque o padre fala demais.
        Raramente compra alguma coisa, prefere guardar o dinheiro (- Vá lá que acontece uma desgraça!)
        Não acredita nos bancos, prefere o colchão.
        Viagem, nem pensar!
        Amigos ele não tem, não encontra quem lhe tolere a cantilena de reclamações das dores e doenças.
        Seus colegas de trabalho correm dele, pois sua conversa é sempre a mesma.
        Quando encontra um ouvido disposto, conta toda a sua história e detalha a cirurgia, o erro médico, cada retorno, cada nova consulta que fez e arremata:
        - Estão todos mancomunados, um médico não revela o erro do outro médico, ficam fazendo corpo mole, quem sofre somos nós!
        Certo dia apareceu no seu trabalho, não sabe de onde, querendo lhe conhecer, uma tal de Francisnalva.
        Por uma semana ela o visitou sempre alegre e falante.
        Num final de semana o convidou para ir ao cinema, ele não foi.
        Um dia lhe pediu um abraço, ele no máximo lhe deu um aperto de mão.
        Num outro foi ousada e lhe pediu um beijo.
        Ele negou e disse que tinha perdido a prática.
        Nunca mais ela voltou a aparecer.
        Hoje ele revelou que está com saudades da Francisnalva.
        Tá fisgado!

A festa de casamento


A festa de casamento


      Estávamos todos reunidos em um grande salão de um hotel na cidade de Ubá, Minas Gerais. Era um hotel estilo barroco cheio de pompa e grandiosidade, típico das antigas cidades mineiras.
      O salão estava organizado como para um jantar festivo. Ao fundo via-se um pequeno palco composto por um parlatório, mesa e cadeiras de apoio. Um telão ao fundo. Garçons vestidos a caráter serviam bebidas e salgadinhos por entre as mesas.
      O clima era de cordialidade com um toque sutil de formalidades, provavelmente pelo pouco conhecimento e convívio das famílias ali reunidas.
      A maioria das mesas estava ocupada por uma tradicional família da cidade, dos velhos aos jovens todos em clima de festa.
      As duas últimas mesas que sobravam foram ocupada por mim, minha esposa, minha filha, seu noivo e, pelos meus três filhos e noras.
      Era uma reunião – pasmem – para se discutir a festa de casamento da minha filha. Impressionante: ela havia conhecido o rapaz durante o carnaval e estavam marcando o casamento já para o domingo da Páscoa.
      Tomou a palavra o dono do bufê organizador do evento. Fez uma apresentação impecável dos principais eventos que havia organizado, tanto na cidade de Ubá, como em outras cidades como Juiz de Fora, São João del-Rey, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, etc. Apresentou vídeos dos eventos e de entrevistas com contratantes do bufê, sobre a qualidade e satisfação com os seus serviços.
      A seguir apresentou a proposta executiva para o evento em questão, detalhando a cerimônia que seria realizada na Catedral de São José, as músicas que seriam executadas durante o evento – com a participação do coral e orquestra de São João del-Rey –, bem como projetou, em fotos, os grandiosos arranjos que comporiam a decoração do interior daquela igreja.
      Explicou que o cerimonial previa que o pai da noiva deveria se vestir, a caráter, como motorista, de bonezinho e tudo, com um detalhe, de máscara (não sei por que); acompanharia a noiva somente até a porta da igreja, o trajeto até o altar ela o faria grandiosamente sozinha.
      Chegou-se então à recepção que seria realizada naquele maravilhoso salão de festas do Hotel. Apresentou então os croquis da decoração imaginada por eles, onde não faltaram detalhes dos arranjos florais para as mesas, espelhos, jarros, taça e copos de cristais, cascata de vinho e outros tantos mimos. Finalmente detalhou que os comes-e-bebes seriam oferecidos numa ilha gastronômica composta de uma variedade de canapés quentes e frios: o jantar, de massas e carnes, seria servido à meia noite. As bebidas que incluíam wisckys importados, vinhos e champagnes franceses, coquetéis etc, seriam servidos, pelos garçons, mesa a mesa.
      Informou que o hotel estaria com todos os seus 26 apartamentos reservados para os convidados que se deslocariam de outras cidades.
      Seria de fato uma festa daquelas inesquecíveis. Principalmente para mim.
      Neste exato momento foi franqueada a palavra para que os presentes fizessem perguntas e obtivessem maiores explanações acerca do que havia sido apresentado. O alarido foi geral, pois surgiam muitas perguntas sugestões e palpites. O tal dono do bufê aproveitou o intervalo, pois que colocou outros funcionários para responder as perguntas e se dirigiu à minha mesa.
      Cumprimentou a todos que lá estavam, se assentou, sem ter sido convidado, e me entregou uma pasta de documentos que continha: contrato de prestação de serviço e três cheques já devidamente preenchidos, cada um no valor de R$ 33.250,00, todos datados de 15 de março de 2013. O segundo bom para 15 de abril e o terceiro, bom para o dia 15 de maio.
      Intrigado, lhe perguntei quem havia contatado a sua empresa e feito os arranjos para aquela reunião. Assustado e constrangido ele me informou que havia sido convidado pela família do noivo, claro, pois já eram conhecidos de longa data, etc, etc.
      Retirei os cheques da pasta e a devolvi ao ilustríssimo senhor. Ao seu ouvido, falei em alto e bom tom:
- Entregue a pasta a quem lhe pediu o serviço. Acho um pesadelo este casamento. Mas felizmente não estou disposto a financiar algo tão grotesco.  
      O constrangimento foi geral.
      Menos de 10 minutos depois, e o salão estava praticamente vazio. Restávamos eu e a minha família.
      Até o rapaz sumiu!
      Não haveria mais casamento.
      Assustado eu acordei: eram 4 e15 da manhã.
      Era mesmo um pesadelo. Ainda bem!



Fazenda Pedra Negra


Fazenda Pedra Negra


Ao pé de imensa laje negra,
Ainda protegida do urbano,
Desde as suas origens, íntegra!
Terreno íngreme, pouco plano.

Sua casa rústica e firme,
sobre rocha foi construída.
Prostrada de denúncia ao crime, 
guardiã de ganâncias aderidas.

Aos pés, um rio de águas poluídas,
exaurido pela extração de areia,
Destaca-se de paisagem inútil,
Lutando por se manter intacta.

Como algo tão natural, que fútil,
Vê, aos poucos, esgotar-se 
o entorno, desmatado, 
vendido em fatias, loteado.

Como tantos marcos históricos,
Desta terra sem cultura,
Sua eco-virgindade,
aos poucos se madura...

Vivendo como que no passado,
Pedra Negra luta bravamente, 
se tornando a cada dia, 
de sobre vida, mais atraente!

Sem muito apoio ou proteção,
Vive um tempo heroico por esperar:
Até quando a especulação,
De assalto, vai lhe poupar?




Trilhas de Minas



Hoje subimos as montanhas nos arredores de Tiradentes.
Fomos caminhar por uma trilha construída por mãos escravas, no final do século passado.
Pedras de todos os tamanhos forram o chão. Imagino a dureza da lida, mas admiro a beleza que resultou. 
Naquele tempo, uma facilidade de acesso. Hoje, a aspereza de um caminho. 
Mudam as épocas, mudam as pessoas, mudam a visão e o valor das coisas: hoje, aqui, vale o belo, o rústico, não o acesso.
Alguns trechos, destruídos pelos mototrilheros, hoje proibidos de passar por aqui, e agravados pela erosão provocada pelas águas das chuvas, tornam nossos passos inseguros e lentos.
Os trechos se alternam entre um sol castigante e a umidade lodosa das lages ocultas do sol, que nos obriga a redobrar atenção, para evitar uma queda, com certeza, dolorosa.
Assim na trilha como na vida, sem a luz e o calor do sol, sem a clareza e o amor, a umidade da solidão prolifera o lodo da incompreensão e da inveja, que nos provocam tantas quedas, não menos doloridas.
Subo mais lentamente, e somente graças a um cajado de bambu, improvisado, que descobri na entrada da trilha: meu companheiro nesta jornada. Tal qual os verdadeiros amigos que encontrei ao longo da minha vida: apareceram do nada, quando mais precisava do apoio deles.
Fico para traz e aproveito para perceber o meu em torno: o ar - puro e frio-; silencio - feito de zumbidos dos insetos, o farfalhar das folhas, o canto de pássaros e o ruído de uma queda-d'agua do riacho, vindo da nascente da montanha; o calor - provocado pelo sol forte -; o frio úmido - nas sombras das arvores. Ambiente rico de vida brotada em profusão.
Como que para justificar minha lentidão, busco apoio na frase: da caminhada o que vale a pena é a beleza, não o caminho. Caminhos são tantos, mas a beleza de cada um é única!
Passo a perceber as flores, pequeninas, nascidas de arbustos retorcidos, de pequenas gramíneas, brotadas por entre as pedras, que adornam o caminho coloridas de vermelho, rosa, azul, amarelo, etc, etc. Uma festa colorida como o carnaval.
Vejo uma pequenina formiga carregando uma folha seca enorme, quanta perseverança. Quase me envergonho. Entendo a lição e vou em frente...
Os meus passos são mais lentos, pois convalesço de um ano de clinicas e hospitais. Gozo, agora, do privilegio, deste trajeto único e especial. 
A cada passo em direção ao alto da montanha, um agradecimento profundo por estar ali, naquele momento, como que reiniciando minha caminhada de volta a vida.
Cada passo um esforço, cada esforço um desanimo. Mas de desanimo em desanimo vou em frente.
Faço força para continuar. Eta formiguinha danada!
Não olho muito para o alto da montanha, com medo de desistir. É muito íngreme. É muito chão...
Olho para cada pequeno trecho e defino um ponto de desafio, até onde vou chegar. Quando chego lá, defino novo ponto. Falo comigo mesmo: - Lá dá pra chegar.
Mas não posso me esquecer da meta. E lá vou eu rumo ao topo da montanha...
Derrepente, no meio do caminho, tem uma pedra. E que tamanho de pedra. Deixaram-na lá pelo tamanho da peça. Lembrei-me de Drummond. Só não imaginava que ela era tão grande.
Sem muitas reflexões, deixo para traz a pedra, mas ela continua lá no meio do caminho, mais marco que empecilho, pois muito difícil de tropeçar.
Quando chego ao alto da montanha, encontro com as minhas companheiras já voltando. Peço-lhes que me deixem chegar até lá. Solidárias, não querem me frustrar, retornam comigo. 
Vejo o vale. Que lindo! Entre as montanhas, como um leito de rio, serpenteando entre as montanhas. Só que tudo é verde, verde de muitos tons. Graça às chuvas. Olho para este cerrado rupestre mineiro. Arbustos esparsos, muitas gramíneas, flora e fauna, preservados. Preservados? Até quando?
No meu intimo estou feliz, gratificado, atingi a meta. Para mim uma vitória. Gozo o merecido descanso dos vitoriosos. Quero e devo festejar. E o faço internamente. Beijado pelo sol!
Vejo ao longe um grupo de pessoas, numa pequena clareira, como que em adoração à sagrada natureza.
Ouço vozes estridentes de turistas que tomam banho gelado numa cachoeira, que não vejo.
Derrepente ouvimos o som de um aeroplano, que num rasante, passa abaixo do nível que estávamos.
Será a prenúncia da chegada de outros motores: os dos tratores. Que pena!
A trilha continua. Ela tem como destino: Tiradentes. Vamos lá mais tarde, mas de carro.
Retornamos pelo mesmo caminho. Tão lentamente quanto a ida.
No final, ou no início da trilha, como em todas as trilhas, tem uma bica d'água.
Nela mato a sede, mas não as imagens e experiências que vivenciei na trilha.
Estas são minhas, para sempre.