quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Botequim do Totonho


Botequim do Totonho


Ele preparava um bife de fígado com jiló frito tão delicioso, que justificava a quantidade de fregueses a cada final de tarde.
Era daqueles botequins de uma porta só; o pessoal se arranjava pela calçada, improvisando mesas e acentos com caixas de cerveja e de refrigerantes; o meio fio era disputado palmo a palmo.
Anotava o consumo da moçada numa precária cadernetinha; quando devedor pagava, ele simplesmente rabiscava a anotação: tava quitado! Dizem que cano ali era raro e quando acontecia, era por um motivo muito justo e o Seu Totonho perdoava de coração.
Num carnaval de um ano passado qualquer apareceu um carioca cheio de xis, muito gingado malandro, um cara muito simpático, que acabou por ganhar a confiança da galera, que ralava os bicos com suas estórias e aventuras passadas na calçada de Copacabana.
Bebeu e comeu durante os quatro dias de folia. Seu Totonho anotou tudo na cadernetinha, como era do seu feitio.
Na quarta feira de cinzas o carioca não aparecera nem para beber, nem para comer o bife de fígado, nem para contar suas estórias, nem para pagar a conta. Sumira, escafedera.
Por uma semana foi procurado até pela polícia, na dúvida de haver acontecido algum fato desagradável. Mas nada.
Souberam que dormia na casa de uma tia. Mas ninguém sabia quem, nem onde. Chegaram a dizer que o cara era uma assombração. Coisas do interior de Minas...
De qualquer forma, era o primeiro e irremediável cano do Seu Totonho.
No ano seguinte voltou o alegre e sorridente carioca para o carnaval, para a cervejinha, para o bife de fígado com jiló.
A simpatia, o xis e o gingado malandro haviam sido multiplicado por três. Trouxera alguns amigos para provarem o mais delicioso bife de fígado com jiló frito que ele havia comido na face da terra. Adoraram!
Comeram e beberam os quatro dias de folia. Seu Totonho anotou tudo na cadernetinha, como era do seu feitio.
Na quarta feira de cinzas os cariocas chegaram cedo à rodoviária compraram as passagens para Belo Horizonte e foram surpreendidos ao se verem rodeados por um bando de caras conhecidas, com as quais haviam convivido naqueles inesquecíveis dias de carnaval.
Seu Totonho nem estava lá. Quem estava lá: a tia do malandro, dois policiais e se não me engano, todos os fregueses do botequim. Uma multidão!
Um dos fregueses tomou a palavra e explicou, mineiramente, que aquele era o comitê de despedidas aos cariocas mais simpáticos e amáveis que haviam conhecido, e os mais engraçados também. Estavam todos ali em nome do Seu Totonho, que era um comerciante muito querido da cidade, o qual, para continuar fazendo o mais delicioso bife de fígado com jiló frito da face da terra, precisava manter o seu capital de giro integral. Senão como ele iria comprar: cerveja, fígado e jiló?
Haviam trazido a cadernetinha do estabelecimento e totalizaram a conta dos malandros. Eles tinham duas opções, pagariam tudo, inclusive os juros da conta do ano passado, ou passariam uma temporada dormindo no xadrez e prestando serviços voluntários à comunidade durante o dia.
Pagaram a conta e jamais voltaram para comer o mais delicioso bife de fígado com jiló da face da terra.     

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