Botequim do Totonho
Ele preparava um bife de fígado com jiló
frito tão delicioso, que justificava a quantidade de fregueses a cada final de
tarde.
Era daqueles botequins de uma porta só;
o pessoal se arranjava pela calçada, improvisando mesas e acentos com caixas de
cerveja e de refrigerantes; o meio fio era disputado palmo a palmo.
Anotava o consumo da moçada numa precária
cadernetinha; quando devedor pagava, ele simplesmente rabiscava a anotação: tava
quitado! Dizem que cano ali era raro e quando acontecia, era por um motivo
muito justo e o Seu Totonho perdoava de coração.
Num carnaval de um ano passado qualquer
apareceu um carioca cheio de xis, muito gingado malandro, um cara muito
simpático, que acabou por ganhar a confiança da galera, que ralava os bicos com
suas estórias e aventuras passadas na calçada de Copacabana.
Bebeu e comeu durante os quatro dias de folia.
Seu Totonho anotou tudo na cadernetinha, como era do seu feitio.
Na quarta feira de cinzas o carioca não
aparecera nem para beber, nem para comer o bife de fígado, nem para contar suas
estórias, nem para pagar a conta. Sumira, escafedera.
Por uma semana foi procurado até pela
polícia, na dúvida de haver acontecido algum fato desagradável. Mas nada.
Souberam que dormia na casa de uma tia.
Mas ninguém sabia quem, nem onde. Chegaram a dizer que o cara era uma
assombração. Coisas do interior de Minas...
De qualquer forma, era o primeiro e
irremediável cano do Seu Totonho.
No ano seguinte voltou o alegre e
sorridente carioca para o carnaval, para a cervejinha, para o bife de fígado
com jiló.
A simpatia, o xis e o gingado malandro
haviam sido multiplicado por três. Trouxera alguns amigos para provarem o mais
delicioso bife de fígado com jiló frito que ele havia comido na face da terra.
Adoraram!
Comeram e beberam os quatro dias de
folia. Seu Totonho anotou tudo na cadernetinha, como era do seu feitio.
Na quarta feira de cinzas os cariocas
chegaram cedo à rodoviária compraram as passagens para Belo Horizonte e foram
surpreendidos ao se verem rodeados por um bando de caras conhecidas, com as
quais haviam convivido naqueles inesquecíveis dias de carnaval.
Seu Totonho nem estava lá. Quem estava lá:
a tia do malandro, dois policiais e se não me engano, todos os fregueses do
botequim. Uma multidão!
Um dos fregueses tomou a palavra e explicou,
mineiramente, que aquele era o comitê de despedidas aos cariocas mais
simpáticos e amáveis que haviam conhecido, e os mais engraçados também. Estavam
todos ali em nome do Seu Totonho, que era um comerciante muito querido da
cidade, o qual, para continuar fazendo o mais delicioso bife de fígado com jiló
frito da face da terra, precisava manter o seu capital de giro integral. Senão
como ele iria comprar: cerveja, fígado e jiló?
Haviam trazido a cadernetinha do
estabelecimento e totalizaram a conta dos malandros. Eles tinham duas opções,
pagariam tudo, inclusive os juros da conta do ano passado, ou passariam uma
temporada dormindo no xadrez e prestando serviços voluntários à comunidade
durante o dia.
Pagaram a conta e jamais voltaram para
comer o mais delicioso bife de fígado com jiló da face da terra.
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